A Reforma Reformada

Felipe Quirino
2 nov, 2024
Ecclesia reformata, semper reformanda (a igreja reformada, sempre se reformando)

As implicações diretas da Reforma Protestante envolvem as transformações ocorridas a partir de um entendimento do que a Palavra de Deus nos ensina. Sendo assim, uma vida reformada, uma igreja reformada, são centradas na Palavra e passam por constantes reparos, moldando o caráter dos crentes à imagem de Cristo Jesus, que é a Palavra encarnada.

Sendo assim, temos, na história da Igreja, muitos outros movimentos que se propuseram a tornar a comunidade da Fé mais próxima da vontade de Deus revelada nas Escrituras Sagradas. Após a Reforma Protestante, o aprofundamento que os reformados tiveram sobre a Palavra levou-os a se alinharem mais aos dizeres do Senhor. Parte desse processo foi a realização de reuniões nas quais pontos fundamentais foram discutidos.

Chamada de Reforma reformada, a segunda manifestação da Reforma Protestante ocorreu a partir da igreja protestante na Suíça, capitaneada por Ulrico Zuínglio (Zurique) e, na sequência, por João Calvino (Genebra). O Colóquio de Marburgo (outubro/1529) – um debate sobre quinze teses da fé cristã aplicadas ao povo de Deus – foi determinante para a consolidação da reforma reformada.

Em catorze dos tópicos discutidos houve concordância entre todos. Porém, no aspecto da celebração da Ceia, houve discordância irremediável que fez com que luteranos seguissem para um rumo, os zuinglianos para outro e os reformados, representados por Martin Bucer, para outro. Respectivamente, defenderam que os elementos da ceia continham a presença física e espiritual de Jesus (consubstanciação), de outro extremo a visão simbólica que dá a ideia de memorial para a celebração da ceia e, por fim, o ensino da presença espiritual de Jesus e a comunhão espiritual de seu povo com Ele.

O produto dessa reunião mudou os rumos do protestantismo da época, influenciando muitas regiões até que alcançou um jovem francês, chamado João Calvino. Filho de um advogado de padres, nasceu em 1509 em Noyon. Depois, foi estudar em Pawris e, por conta das perseguições aos protestantes, partiu para a Suíça. De lá, escreveu um livro para o Rei Francisco I, que o perseguia, para defender sua fé. O livro tem por título “As Institutas da Religião Cristã”.

A cidade que abrigou Calvino foi Genebra, que estava sofrendo muito com as perseguições aos protestantes. Em 1535, a religião de Roma deixou de ser a religião oficial de Genebra. Em curto espaço de tempo, os movimentos de reforma daquela cidade deram-lhe, por mãos de Calvino, uma Confissão de Fé. Além disso, o reformador francês propôs várias alterações na cidade e na igreja. Os aspectos principais tornaram-se fatores distintivos da tradição reformada para as outras, incluindo a luterana.

A primeira passagem de Calvino por Genebra foi marcada por seu plano de reforma daquela igreja. Esse plano constava de proposições que deveriam modificar a estrutura da igreja protestante genebrina, à época de sua chegada. A exposição que Thea B. Haselma faz sobre esse plano pode ser resumida da seguinte maneira:
a) Disciplina Eclesiástica – o estilo de vida de muitas pessoas que assumiram o compromisso da igreja reformada naquela cidade incomodava Calvino, pelo fato de terem uma vida libertina, ao mesmo tempo em que professavam a fé em Jesus. Portanto, no entendimento de Farel e de Calvino, era necessário que uma doutrina das Escrituras, registrada em Mateus 18.6-20, fosse posta em prática. Caso os passos ensinados por Cristo naquela passagem bíblica não alcançassem o irmão, ele deveria ser excomungado da comunhão eclesiástica;
b) Adequação das leis matrimoniais às Escrituras Sagradas;
c) Instrução de crianças por meio de exposição do conteúdo bíblico, exposto em forma de catecismo;
d) O uso do cântico por toda a comunidade durante o culto público.

As três últimas cláusulas listadas acima foram prontamente aceitas pela igreja, e Calvino passou a produzir muitos trabalhos sobre esses tópicos. Entretanto, quanto à primeira cláusula, seu conteúdo levantou grande oposição dos pastores reformados, oposição tal que obrigou Calvino, Farel e outros companheiros a, primeiramente, serem proibidos de pregar e, posteriormente, serem expulsos daquela cidade.

Saindo de Genebra, Calvino fixou residência em Estrasburgo. Lá, ele conseguiu pôr em prática seu plano de administração eclesiástica, o qual foi recebido pela membresia com o coração aberto e pronto a aprender. Aproximadamente três anos após sua expulsão de Genebra e sua recepção em Estrasburgo feita por uma comunidade fraterna, Calvino encontra-se com uma comitiva vinda da igreja de Genebra. A comitiva trouxe consigo um convite para que o reformador voltasse e os pastoreasse. Após relutar, Calvino decide regressar àquela cidade em 13 de setembro de 1541.

De volta a Genebra, Calvino conseguiu implantar seu plano de reforma da igreja de Genebra, bem como de outros níveis da sociedade genebrina, tendo como princípio norteador as Escrituras. O ideal de Calvino também propagou-se com rapidez e amplitude, influenciando um sem número de pessoas além dos limites de Genebra. É possível afirmar que o maior veículo propagador desse ideal foi a Academia de Genebra, que recebeu pessoas de diversos países, catequizando-as e tornando-as multiplicadoras da mentalidade calvinista em suas terras natalícias. Em 5 de junho de 1559, a Academia foi inaugurada e contou com a presença de seiscentos alunos, número este que foi rapidamente ampliado para novecentos no período de um ano. Esses alunos vinham de vários locais do mundo: eram franceses, holandeses, ingleses, alemães, italianos, suíços, escoceses etc.

O presbiterianismo é fruto dessa árvore frondosa chamada “Reforma Reformada”. Não somos apenas protestantes, somos reformados e entendemos a reforma como ela foi delineada por João Calvino, tendo as Sagradas Escrituras como palavra de Deus total e divinamente inspirada, sendo, assim, inerrante, infalível, viva e eficaz. A partir daqui, tudo o que a Palavra diz sobre Deus, sobre o homem, sobre o pecado, sobre Cristo, sobre a salvação, sobre o Espírito Santo, sobre a Igreja e sobre o fim das primeiras coisas passa a ter relevância na nossa prática e convicção.

Conhecer a história torna nossa compreensão mais refinada e nossa prática mais adequada à convicção que professamos ter. Agradecemos a Deus por Sua Palavra e pelos frutos históricos que ela tem gerado.